sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Além do arco-íris

por Míriam Leitão e Alvaro Gribel -
29.10.2010
O Brasil descobriu petróleo no pré-sal nos anos 50 e já o explora há décadas. O que houve agora foi a descoberta de grandes reservas, mas nem todo produto é de boa qualidade. A produção iniciada em Tupi é mínima perto do total extraído no Brasil. Principalmente é falsa a ideia de que o pré-sal é a solução mágica que garante o futuro. O governo faz confusão proposital quando o assunto é petróleo.

A excessiva politização do tema está criando mitos e passando para o país a ideia de que agora ganhamos na loteria, um bilhete premiado, que vai produzir dinheiro abundante que resolverá todos os nossos problemas. Isso reforça a tendência a acreditar na quimera, no “deitado em berço esplêndido”, que tem feito o país perder chances e assumir riscos indevidos.

A primeira descoberta de petróleo no pré-sal do Brasil foi em 1957 no campo de Tabuleiro dos Martins, em Maceió. A segunda foi em Carmópolis, em 1963. Ainda hoje se produz petróleo nos dois campos: no segundo, 30 mil barris por dia. O campo de Badejo, na Bacia de Campos, também fica na camada do pré-sal. Ele foi descoberto em 1975. Os dados contrariam o marketing do “nunca antes” e que esse petróleo é o “passaporte para o futuro”, como tem dito a candidata Dilma Rousseff.

Há produção de petróleo em campos de pré-sal no mundo inteiro. No Golfo do México, no Oriente Médio, no oeste da África, no mar do Norte. Um dos mais famosos é o de Groningen, na Holanda, descoberto pela Shell em 1959. Ainda hoje se tira petróleo de lá.

— O pré-sal invenção brasileira é uma distorção de marketing inventado pelos políticos do governo com apoio dos ideólogos da Petrobras e da ANP — explica o ex-diretor da Petrobras, Wagner Freire.

O Brasil produz hoje dois milhões de barris de petróleo por dia. Na melhor estimativa, a produção do pré-sal chegará a esse volume daqui a cinco anos. A exploração definitiva do campo de Tupi, que começou ontem, mas que na verdade ainda se encontra na fase de testes, foi de 14 mil barris, cerca de 0,7% da produção atual. A projeção é que em 2012 produza 100 mil.

— Na rodada zero de licitações, em 1998, a ANP permitiu que a Petrobras escolhesse todos os campos que gostaria de explorar. Ela não quis as áreas do pré-sal. Na época, o barril do petróleo custava em torno de US$ 15. Por esse preço, a exploração era inviável pelos custos e dificuldades. Hoje, o petróleo está cotado a US$ 80. É por isso que a produção começou a valer a pena — lembra o consultor Adriano Pires.

O campo de Tupi foi licitado para a Petrobras e outras empresas privadas no ano 2000, como resultado da segunda rodada da ANP. Em 2007, foi comprovado que havia petróleo e, diante dos indícios de grandes reservas 47, blocos do pré-sal foram retirados da competição.

Até agora ainda não se sabe quais são as reservas de Tupi. A Petrobras afirma que existem de 5 a 8 bilhões de barris. Mas a certificadora Gaffney, Cline & Associates, que foi contratada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para analisar o campo, estimou um volume menor: de 2,6 bilhões de barris. Quem está certo? Ninguém sabe. É preciso fazer mais prospecção.

O relatório da Gaffney também diz que um dos campos de pré-sal, o de Júpiter, tem óleo pesado, ou seja, com menor qualidade, explica Wagner Freire. O gás possui 79% de CO2 e o petróleo é de 18° de API. O petróleo do tipo Brent e WTI, que são referência no mundo, possuem API acima de 30°. Quanto mais alta essa medida, mais leve é o petróleo, ou seja, dele se retira maior volume dos derivados mais valorizados. O petróleo que hoje se extrai no Brasil é de 20° a 22°. Tupi é um pouco melhor, 26°, mas ainda assim não chega ao nível do Brent e do WTI.

O fato de ter alto teor de CO2 no gás em Júpiter é um complicador. Se o CO2 for para a atmosfera, aumentará muito as emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

Todo brasileiro admira a capacidade da Petrobras, provada ao longo de cinco décadas, de encontrar petróleo, desenvolver tecnologias e produzir em águas profundas. Mas a propaganda tem distorcido tudo, como se houvesse uma Petrobras velha e uma nova, do PT.

Não é verdade também que antes o petróleo brasileiro era carne de pescoço e agora acharam filé. Temos no Brasil óleos mais leves, ou seja filé mignon, em poços como os do Espírito Santo. O de Urucu na Bacia do Solimões é leve e sem enxofre, melhor que o Brent. E tem petróleo leve e pesado no pré-sal.

A Gaffney, que fez o estudo para a ANP, concluiu que todas as reservas do pré-sal juntas têm potencial de 15 a 20 bilhões de barris. Isso é uma boa notícia porque significa dobrar as reservas provadas do Brasil, que em 31 de dezembro de 2009 estavam em 15,2 bilhões. Poderíamos chegar a 35 bilhões e ganharíamos cerca de seis posições no ranking mundial de países com potencial para explorar petróleo, saltaríamos do 16º lugar para 10º, ao lado da Nigéria. Ainda assim, estaríamos longe de países como Arábia Saudita, com 314 bilhões de barris em reservas; Irã, com mais de 138 bilhões; Iraque, 115 bilhões; Kuwait, com 113 bilhões. Não seríamos também o primeiro da América do Sul porque a Venezuela tem mais de 99 bilhões de reservas comprovadas.

Há dificuldades técnicas nada desprezíveis para a produção desse petróleo em larga escala.

— Para se ter ideia, o campo de Roncador, que é no pós-sal, e foi descoberto em 1996, com três bilhões de barris de reservas, ainda não tem seu plano de desenvolvimento completo. E o desenvolvimento e a operação do pré-sal são mais complexos e mais caros — diz Freire.

Não existe um pote de ouro depois do arco-íris que vai resolver todos os nossos problemas. Ainda não inventaram um passaporte para o futuro que não seja trabalhar muito, poupar mais, investir sempre e, principalmente, educar a população.

domingo, 8 de agosto de 2010

Brasil explicado em galinhas! (Luis Fernando Veríssimo)

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e o levaram
para a delegacia.

D - Delegado
L - Ladrão

D - Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que
comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!
L - Não era para mim não. Era para vender.
D - Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio
estabelecido. Sem-vergonha!
L - Mas eu vendia mais caro.
D - Mais caro?
L - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as
minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto
as minhas botavam ovos marrons.
D - Mas eram as mesmas galinhas, safado.
L - Os ovos das minhas eu pintava.
D - Que grande pilantra... ( mas já havia um certo respeito no tom do
delegado...) Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te
pega...
L - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais
boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços
dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de
galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no
caso, um ovigopólio.
D - E o que você faz com o lucro do seu negócio?
L - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei
alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no
suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e
superfaturo os preços.
O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira
estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
D - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está
milionário?
L - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que
tenho depositado ilegalmente no exterior.
D - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
L - Às vezes. Sabe como é.
D - Não sei não, excelência. Me explique.
L - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa.
O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa
proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto
realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, _finalmente
vou para a cadeia. É uma experiência nova.
D - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.

terça-feira, 20 de julho de 2010

20 de julho - Dia do Amigo

Tenho amigos que não sabem o
quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes
devoto e a absoluta
necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais
nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela
se divida em outros afetos,
enquanto o amor tem intrínseco o ciúme,
que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar,
embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os
meus amores, mas enlouqueceria
se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem
o quanto são meus amigos e o quanto
minha vida depende de suas existências ....
A alguns deles não procuro, basta-me
saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir
em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com
assiduidade, não posso lhes dizer o
quanto gosto deles.
Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão ouvindo esta crônica
e não sabem que estão incluídos na
sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta
que os adoro, embora não declare e
não os procure.
E às vezes, quando os procuro,
noto que eles não tem
noção de como me são necessários,
de como são indispensáveis
ao meu equilíbrio vital,
porque eles fazem parte
do mundo que eu, tremulamente,
construí e se tornaram alicerces do
meu encanto pela vida.

Se um deles morrer,
eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam,
eu rezo pela vida deles.
E me envergonho,
porque essa minha prece é,
em síntese, dirigida ao meu bem estar.
Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos
sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de
lugares maravilhosos, cai-me alguma
lágrima por não estarem junto de mim,
compartilhando daquele prazer ...
Se alguma coisa me consome
e me envelhece é que a
roda furiosa da vida não me permite
ter sempre ao meu lado, morando
comigo, andando comigo,
falando comigo, vivendo comigo,
todos os meus amigos, e,
principalmente os que só desconfiam
ou talvez nunca vão saber
que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.(Vinícius de Moraes)

domingo, 11 de abril de 2010

Foi só um carnaval

Sabe?

Hoje após ouvir “...tire o teu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor..” lembrei-me dos carnavais que juntos passamos. Lembra-te? Eu passava e você insistia com este teu sorriso de festa, para espantar minha tristeza.

Naqueles tempos de tantos desencontros, as palavras terminam por tomar formas não desejadas, ferindo, magoando. Era tudo tão confuso que podia parecer uma fórmula muito simples de tentar explicar algo dito sem intenção. Você não havia entendido aquela minha frase, a mesma que ouvi hoje. Você magoara-se.

Ah! É tempo de carnaval. Vai distante aquele carnaval que nos mascaramos de gente. Lembra-te? A gente queria brincar de viver.

Naquela terça-feira, nós achávamos que devíamos nos dar mais, mesmo que isto custasse o sol, a terra, o mar, as esbranquiçadas raízes de nossas planícies íntimas ou a nossa própria vida.

A gente achava que deveria abraçar não só naquela terça-feira, mas sim a quarta, quinta-feira, sei lá a vida toda, numa doação por inteiro dessas raízes de ternura que ainda insistem em existir para sempre, sem medo, sem angustias, pudor, desesperos.

Sabe? Acho que a gente nesse carnaval devia se fantasiar de criança, e sair numa imensa ciranda para sempre; a gente não devia esquecer como se esquece quando chega a quarta-feira. Depois vem uma dor sem consolo, porque não se sabe o que foi bem e o que foi mal.

A harmonia, os sambas-enredo cantados, confundem-se num silêncio de clamores ocultos. E salta a vontade animal de ferir, magoar. É esse gesto de resistência que amarra o temporal e encerra o desespero no inferno da dúvida, que nos faz pensar na dimensão da alma.

Por que na agitação da orquestra e na dimensão do falso riso procuramos dissimular e reformar caminhos que, sabemos, só há um falso cintilar de falsas ilusões?

Sabe? Você tem algo que não dá para explicar. As pessoas jamais vão entender. Você esta muito acima de tudo que eu possa explicar e confesso o que vem lá do fundo de minha alma que sou muito mais você, sabe?

Eu disse que a chuva lava a gente por dentro, e você deixou escapar esse teu sorriso maroto.

Tudo isto ficou num passado que eu estava lembrando agora. Isto tudo se passou e faz algum tempo que agora o nosso carnaval é apenas sobras de confetes de ilusões, serpentinas de algumas mágoas.

Quando vier a quarta-feira haveremos de jogar no mar as cinzas dessas saudosas lembranças e inaugurar mais um novo dia, que não precisa ser de nenhum outro carnaval.

achados do Dengo/82

(Achados de 28/02/1982)

sábado, 10 de abril de 2010

O que a chuva me faz ver

Uma página qualquer...

(O que a chuva me faz ver)

Lá fora a natureza chora lágrimas que rolam cadenciadas e esparrama vidas.

Galhos e folhas das árvores recebem tais gotas com alegria e uma fonte do viver, florir e frutificar. Frutos que são dádivas em retribuição e gratidão.

Assim, a cada instante a vida se renova numa inesgotável fonte: "é dando que se recebe".

Também lá fora acontecem outros fatos que são os praticados por seres humanos. Seres antagônicos, questionáveis, racionais, inconscientes e injustos se apenas destrutivos, porém geniais quando transformam. Criativos?

- Hum!!! Não creio que os seres humanos tenham o poder de criar, partindo do nada.

Criaturas, “imagem e semelhança do criador” e clone fidedigno... Digno? Dignidade!?

Aqui me atenho. Paro e olho ao redor... Estupefato, acabrunhado e tristonho com tais contradições. Fatos sucedâneos que ora nos causam revolta e noutras até nos acalentam. Nos faz chorar e nossas lágrimas, assim como as da mãe natureza, traçam o caminho da esperança. Esperanças que nossas ações, assim como as lágrimas da mãe natureza, produzam os frutos identificáveis como “dádivas de retribuição e gratidão pela vida”.

G. Santos.

15/09/76